Genealogia - A VERDADE OU A VAIDADE?

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O excelente artigo do genealogista Carlos Alberto Isoldi, Filho - de tradicional familia de grandes genealogistas,
com contribuições valorosas nas entidades de estudos genealógicos, nos presenteou com o

A ciência genealógica e seu caráter interdisciplinar

publicado primeiramente na GENEA - REVISTA CAPIXABA DE GENEALOGIA.

É um artigo razoavelmente longo, mas acredito, entretanto, de grande utilidade para quem tem interesse de trabalhar
com seriedade
nas pesquisas de sua genealogia.

A ciência genealógica e seu caráter interdisciplinar

Carlos Alberto da Silveira Isoldi Filho

Etimologicamente a palavra genealogia vem do grego genealogos, forma
composta de genea (origem, geração, raça ou família) e logos (discurso, tratado).
Ao contrário do que muitos pensam, a genealogia não é o estudo da nobreza, mas
sim de grupos familiares e suas relações sociais, independentemente de sua origem
étnica ou econômica.
É certo que, por muito tempo, a genealogia serviu apenas para provar
ascendências de classes privilegiadas, para defender heranças, por orgulho dos
antepassados, por amor a eles ou somente em razão de vaidade, não desprezando
as falsificações
Se a genealogia pode servir para provar nobreza, ela não tem
precipuamente essa finalidade4. Não podemos vincular os estudos de famílias à
ideia de superioridade nem de certificação de qualidade. Genealogia não é
sinônimo de nobiliarquia, mas sim o resgate da continuidade da memória das
famílias no tempo5.
As pesquisas genealógicas podem ter caráter de nobiliarquia quando
houver possibilidade disso, sendo, porém, históricos quaisquer estudos sobre a
origem e evolução das famílias6.
Carlos da Silveira lecionava não ser possível “fazer nobiliarquia sem
genealogia, mas poder-se-á passar a vida toda tratando de genealogia, sem
cogitações de nobiliarquia”. Genealogia é estudo amplo, nobiliarquia é assunto
restrito7.
A função da genealogia é estabelecer séries biológico-sociais8 entre
indivíduos de uma ou mais famílias, analisando as consequências históricas,
jurídicas e biológicas, para a compreensão filosófica dos destinos de nossos
ancestrais e demais parentes9. Portanto é uma ciência humana que liga o estudo
biológico do homem ao seu estudo como ser cultural e social10.
Ela estabelece um liame entre aqueles que nos precederam e as gerações
subsequentes, reforçando o sentimento de pertencimento. A genealogia liga o
passado ao presente e projeta o futuro.
Genealogia é a ciência que visa a reconstrução das relações sociais e de
parentesco entre membros de uma ou mais famílias, dentro de um contexto
histórico. O parentesco estudado pela genealogia não é apenas o consanguíneo,
mas também o de afinidade e por adoção. As relações sociais objetos da
genealogia podem ser decorrentes de contraparentesco, do parentesco espiritual
(em razão de compadrio) e outras.
Para Lorenzo Caratti di Valfrei, a genealogia deve ser considerada
verdadeira ciência, pois tem objeto de estudo próprio, método de pesquisa
autônomo e diverso das demais disciplinas11. Ela é ciência por se tratar de um
sistema de aquisição de conhecimento, por meio de pesquisas de fatos, baseado
em método científico.
Método científico é o conjunto de regras básicas para desenvolver uma
investigação com vista a produzir novos conhecimentos ou corrigir e integrar
conhecimentos existentes, de maneira confiável e livre da subjetividade do
pesquisador, que possibilite sua verificação.
Se algum pesquisador menos experiente não utiliza nem procura se valer
de metodologia científica para suas pesquisas, isso não retira o caráter científico
da genealogia. Apenas teremos um resultado de menor credibilidade na
comunidade genealógica. Por outro lado, temos pesquisadores amadores de
genealogia (sem formação na área), que se valem de método científico, ainda que
inconscientemente.
Faz ciência quem observa metodologia científica, mesmo que não tenha
obtido seus conhecimentos na área de maneira formal. O fato de existirem
astrônomos amadores (sem formação na área) não significa que a astronomia
deixa de ser ciência. Muitos naturalistas amadores contribuem com a ciência,
inclusive promovendo novos estudos e descobertas nas áreas de botânica, zoologia
e geologia. O mesmo se dá com a genealogia. Portanto, os atuais pesquisadores
de genealogia podem ser considerados autênticos cientistas amadores ou
historiadores autodidatas.
Genealogia é sim uma ciência, porque tem método de análise, ou seja,
segue procedimento sistemático de investigação que envolve observação,
questionamento, exame de dados, construção de hipóteses e sua avaliação, bem
como conclusão. Ela também busca o pluralismo, a transparência e a ausência de
conflito, mantendo dúvida constante, com direito ao contraditório. Tal método
vale tanto para análise da fonte (crítica externa do documento em si) quanto do
dado, do fato e do conteúdo registrado.
A metodologia científica da genealogia tem certo paralelismo com a da
história. Assim como na ciência histórica, em genealogia não é possível recompor
em laboratório os fatos passados, de modo que não há experimentação. Segundo
José Pedro Leite Cordeiro:
“Na História não podemos experimentar. Nela, a experimentação das
ciências físicas, matemáticas, químicas e biológicas, corresponderá à
pesquisa que é atributo científico e através do qual determinam-se fatos
passados. A interpretação do documento histórico equivale à experiência
no laboratório de física ou de química. O historiador trabalha
cientificamente, buscando, como os físicos, os químicos, os biologistas e
os matemáticos, a realidade, a verdade na beleza de seu significado e na
pujança de sua utilidade”.
A genealogia é uma ciência social15 que requer pesquisas ex-post facto,
ou seja, a partir do fato passado. Nestes casos, o pesquisador faz uma investigação
sistemática e empírica na qual não tem controle direto sobre as variáveis
independentes, pois suas manifestações já ocorreram ou porque não são
manipuláveis. O fato de não ser possível fazer pesquisas experimentais, não lhe
retira o caráter de genuína ciência.
O genealogista faz pesquisa de campo (busca documentação em arquivos,
entrevista pessoas, visita cemitérios e conhece lugares em que seus antepassados
viveram); revisa as publicações existentes sobre a família e a respeito de pessoas
que são objeto de sua pesquisa; busca dados em documentos variados, adotando o
pluralismo de fontes (ex vi: assentos de registros civis e eclesiásticos, habilitações
e dispensas matrimoniais, censos, escrituras notariais diversas, processos do Santo
Ofício, processos de genere et moribus, feitos judiciais em geral, registros
profissionais e escolares, manuscritos privados, notícias de jornais, fotografias e
tantos outros). Na lição de Carlos da Silveira:
“Os estudos genealógicos sérios, feitos por pessoas criteriosas, são,
portanto, trabalhos documentados, tantas vezes assaz difíceis, demorados,
e constituem geralmente excelentes exercícios de pesquisa histórica,
animando como animam buscas meticulosas nos arquivos e análises
cuidadosas, dos elementos porventura achados, que precisam ser postos
em linha, muito metodicamente, sob pena de ficarem meras tentativas os
esforços despendidos”
O genealogista deve definir o objeto de sua pesquisa, estabelecer o
percurso metodológico nela adotado, citar as fontes consultadas, analisar
conteúdo, criticar as fontes, mencionar dúvidas surgidas ao longo da pesquisa,
explicitar quando houver mera hipótese de ligação de parentesco, dando assim
transparência ao método utilizado e ao resultado.
Os estudos genealógicos devem ser pautados pela ausência de conflito de
interesse. Os resultados de uma pesquisa genealógica não podem ser
contaminados por convicções religiosas ou (pre)conceitos ideológicos que os
desvirtuem. O genealogista deve ser imparcial, buscando a verdade dos fatos,
ainda que provisória.
É importante, também, o compartilhamento das pesquisas genealógicas,
com a divulgação do resultado em publicações especializadas, plataformas digitais
ou redes sociais, dando-se oportunidade ao contraditório.
Somente na segunda metade do século XIX reconheceu-se que a
genealogia é uma ciência que possui terminologia específica, métodos próprios e
forma peculiar de apresentação, a fim de fornecer material essencial para
resultados importantes. No século XX, começou-se a compreender o valor
científico da genealogia, devido a sua relação com os mais variados ramos do
saber24.
A genealogia é considerada uma atividade multidisciplinar e o
conhecimento adquirido com ela não é pequeno, posto que diversas áreas do
conhecimento estão envolvidas.
É importante dar um sentido mais amplo à pesquisa genealógica, saber o
que estava acontecendo ao redor do ancestral, bem como entender as suas
movimentações, adaptações e interferências na realidade em que viveu27.
Ao levantar a cadeia de ascendentes de um indivíduo, o genealogista deve
perquirir a procedência biológica, o meio social em que eles viviam, o paradeiro
geográfico, feitos e fatos que cercam aquela família, assim como a participação
desses familiares em acontecimentos históricos regionais, nacionais28 e globais.
Fenelon Silva pontua que:
“os trabalhos genealógicos, dados o método e rigor exigidos na
Historiografia, são todos muito complexos, pois que neles se utilizam
elementos de várias ordens e espécies. Não se empregam, nesses
trabalhos, apenas a documentação familiar e fontes de referências à
linhagem ou aos indivíduos de que se compões as famílias, mas baseiamse
também no material histórico que dá a feição exata da família e do
ambiente em que se desenvolvem, indicando as influências exercidas ou
recebidas e os feitos, tudo visando integrá-la na Historiografia Universal”

.

O bom genealogista procura a interlocução com outras ciências, pois a
genealogia não pode ser tratada como um mero elenco de nomes e datas, sem
qualquer contextualização.
Torna-se cada vez mais difundido o fenômeno da interdisciplinaridade
das ciências, de modo que não há apenas cooperação teórica entre os campos do
conhecimento, mas coordenação entre as ciências. Por essa razão, podemos
afirmar que a genealogia não apenas complementa, mas é complementada por
outras ciências, sem que haja uma subordinação entre elas.
Dentre as ciências que dão suporte à genealogia temos a arquivística, a
paleografia, a diplomática, a taquigrafia, a epigrafia, a matemática e a
informática, sem prejuízo de outras.
Cada vez mais a genealogia vem sendo adotada como “ferramenta” de
investigação para melhor abordar questões históricas, sociológicas, antropológicas

e demográficas, contribuindo para uma visão mais clara da formação de nossa
sociedade.
As pesquisas genealógicas revelam hábitos de uma determinada época
(sociologia), miscigenação (antropologia e genética), fluxos migratórios
(demografia), produção e comércio de uma região num certo período (economia),
doenças registradas nos óbitos (medicina), entre tantas outras informações.
Dentre as ciências que a genealogia pode auxiliar, não com a conotação
de subordinação, mas de complementação e cooperação, podemos citar: história,
heráldica, antropologia, sociologia, cronologia, demografia, estatística, economia,
onomástica, paleografia, medicina, genética, psicologia, pedagogia e direito.
A genealogia é uma ciência que complementa e é complementada pelos
estudos de outras ciências, havendo, pois, cooperação entre os vários ramos do
conhecimento.
Em razão de sua metodologia própria, a genealogia cada vez mais se
reafirma como ciência social autônoma, sem perder o caráter interdisciplinar
necessário a qualquer ciência.

Obs. As referências bibliográficas foram omitidas devido a extenção.
Mas se houver interesse do artigo na íntegra, encaminho o PDF por e-mail.

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